ABRUPTO

6.4.14


  

 O ADQUIRIDO, POUCO MAS BOM 

O que é que se pode considerar adquirido e sustentável depois destes anos de “ajustamento”? Muito pouco. É verdade que no meio da confusão algumas percepções saem reforçadas e, como faziam falta antes, é bom que tenham crescido na consciência dos portugueses. A ideia de que há que ter cuidado com o esbanjamento e que há muita “má despesa pública”. As pessoas estão mais conscientes de que não pode haver uma piscina em cada aldeia, ou um pavilhão gimnodesportivo. Atenção de que as pessoas fazem a diferença entre estes gastos e ter ou manter um posto dos correios, um tribunal relativamente perto, transportes razoáveis, segurança a pelo menos uma hora de distância e, acima de tudo, saúde muito perto. Mas muita coisa lúdica que se considerava adquirida, hoje é vista com muito maior prudência. Ainda bem. O mesmo se passa nas pessoas e nas famílias. A enorme paulada da crise obrigou a uma maior contenção de gastos supérfluos. Também é positivo. Para muito jovens a alternativa empresarial passou a existir num país em que não havia cultura de iniciativa privada. Claro que muitas ilusões de que a crise pode ser combatida pelo regresso ao agro, ou por vender coisas na Internet ou fazer compotas com a receita da avó, actividades em que hoje há algum dinheiro fácil na demagogia dos “impulsos jovens”, durarão até o dinheiro acabar e não resolverão nenhum problema da economia portuguesa. Mas, mesmo no falhanço, aprende-se e alguma cultura empresarial vai ficar. É bom. Há algum esforço de adaptação das nossas empresas à necessidade de exportar, o que também é bom. Mas é muito menos sólido do que a propaganda nos diz e acima de tudo não justifica o embandeirar em arco com o equilíbrio do deficit externo que é um resultado perverso da recessão económica e da quebra do consumo. Mas admito que alguma coisa vá ficar de positivo, se o resto não o estragar. E o resto é imenso. 

O ADQUIRIDO, MUITO E PÉSSIMO 

Depois há muita outra coisa que vai durar para além do “ajustamento” e que vai estragar a vida das pessoas e do país. A maior pobreza, que não é efeito colateral da crise como os arautos do governo dizem, mas uma intenção estrutural de colocar Portugal no seu sítio, de país que não devia ter saído da década de 70 do século passado, “vivendo acima das suas posses”. A pobreza estrutural está inscrita no confisco da classe média, que deixa de servir para a mobilidade social para cima, mas passa para baixo. A pobreza estrutural que significa o cerco dos mais pobres dos pobres pelo círculo infernal da assistência e do congelamento da sua situação de pobres. A pobreza estrutural resultado da desvalorização do trabalho, com o altíssimo desemprego, levando à quebra de salários, assim como medidas cujo único objectivo é alterar profundamente o equilíbrio de poder entre o patronato e os trabalhadores. A pobreza estrutural resultado do ataque sistemático aos milhões de portugueses que não tem vinte anos de idade, que já estão “velhos” para o mercado de trabalho e que são um “peso” para o estado. Os resultados destes péssimos adquiridos para o futuro implicam que qualquer relação entre a recuperação económica e a recuperação social será muito lenta e escassa, criando uma sociedade dual de ricos e pobres. Será a ainda mais baixa da qualificação da mão-de-obra, será o peso insustentável do empobrecimento para as prestações sociais. Isto, no plano social, porque no plano político a crise só tem dois efeitos: solidificar a partidocracia e criar um enorme espaço virtual para o populismo. No plano nacional, o adquirido do “ajustamento”, da troika ao Tratado Orçamental, é acabar com a independência de Portugal transformado em província de Bruxelas. 

E O NÃO ADQUIRIDO 

O não adquirido é a sustentabilidade da política do “ajustamento”, que soçobrará rapidamente quer com Passos, quer com Seguro. Seguro fará umas coisas à Hollande “bom” e outras à Hollande “mau”, ou seja uma “mixórdia” em bom português. E o néon continuará inerte até um dia. Mas atenção, mesmo os mais raros e nobres dos gases mudam se lhes atirarem com uma arma de destruição massiva química, o fluor. Vão ser os “tempos interessantes” da pseudo-maldição chinesa, quer na Europa, quer em Portugal. Depois queixem-se. Até o néon muda. Até o néon dá luz no meio destas trevas.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]