ABRUPTO

28.6.14


DINHEIRO ABSTRACTO, DINHEIRO CONCRETO 


 Quando tenho que discutir com alguém de posses, ele diz-me, com razão, que os “ricos” perderam muito com a crise e em muitos casos, até percentualmente perderam muito mais do que os “médios” e os “pobres”. É verdade. Mas do ponto de vista “das pessoas” há dinheiro e dinheiro, há dinheiro abstracto e dinheiro concreto. Um “rico” perder metade do que tem, - o que, registe-se, não acontece porque a riqueza dos ricos não vem dos salários e é expressa em muitos bens que a crise atingiu pouco, - não é a mesma coisa do que a um “médio” ou um “pobre”. Isto para designar as realidades de forma cómoda, visto que ser rico, médio ou pobre é mal traduzido por estas palavras e a sua inerente ordem hierárquica. 

Para um “médio”, por exemplo, um professor no topo da carreira que é reformado com 2500 euros brutos, já é um enorme corte receber apenas 1500, que é a diferença que fica depois daquelas dezenas de alíneas que hoje se chamam “poupanças”, que vem nos recibos do ordenado. Perder 1000 euros por mês, o que significa já muito corte, muita expectativa frustrada, e perda de alguns bens, já muda a vida significativamente. Perder cem ou duzentos euros, nalguns casos mais, quando se recebe 1000 euros, então é já dramático, muda a vida. Ponto. E por aí abaixo é sempre pior. E estes cálculos grosseiros, mas verdadeiros, não incluem outras subidas de impostos, rendas, custos, gastos, etc. Ora, perder num milhão, 600.000, não muda significativamente a vida de ninguém. Com 400.000 continua-se a viver sensivelmente da mesma maneira que se vivia antes. Pode-se ir fazer compras a Xangai, passar férias no Taiti, ir melhorar o corpo a qualquer spa, andar de Porsche, comprar malas Vuitton. 

É isso que alguns dos que estão sempre a dar lições de moral ao consumismo “endividado” dos de baixo, e que acham que os salários dos operários e os ordenados da função pública estão acima do que a economia “produz” (sendo que são eles que definem o que a economia “produz” e como o “produz”), não compreendem. O concreto pesa muito, como umas grilhetas, o abstracto é uma pena de ave, voando ao vento.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]