ABRUPTO

6.4.14


NAVIO FANTASMA: COMO É QUE SE CHAMAM OS CORTES PARA QUEM É DESPEDIDO?

Vai haver novos cortes? Não, o governo garante que não vai haver "aprofundamento" dos cortes. O que é que significa "aprofundamento"? Não sei. Sei que um corte que é provisório e passsa a definitivo é "aprofundado" e muito. Vai haver "poupanças" na despesa? Sim. Como? Despedindo um número significativo de funcionários públicos Como é que, para quem é despedido, se chamam os cortes?


A guerra orwelliana do significado prossegue em pleno.

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PONTO / CONTRAPONTO: NOVO HORÁRIO DA NOVA SÉRIE
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  Se o caos do futebol não lhe alterar mais uma vez o horário

HOJE: 
 

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 O ADQUIRIDO, POUCO MAS BOM 

O que é que se pode considerar adquirido e sustentável depois destes anos de “ajustamento”? Muito pouco. É verdade que no meio da confusão algumas percepções saem reforçadas e, como faziam falta antes, é bom que tenham crescido na consciência dos portugueses. A ideia de que há que ter cuidado com o esbanjamento e que há muita “má despesa pública”. As pessoas estão mais conscientes de que não pode haver uma piscina em cada aldeia, ou um pavilhão gimnodesportivo. Atenção de que as pessoas fazem a diferença entre estes gastos e ter ou manter um posto dos correios, um tribunal relativamente perto, transportes razoáveis, segurança a pelo menos uma hora de distância e, acima de tudo, saúde muito perto. Mas muita coisa lúdica que se considerava adquirida, hoje é vista com muito maior prudência. Ainda bem. O mesmo se passa nas pessoas e nas famílias. A enorme paulada da crise obrigou a uma maior contenção de gastos supérfluos. Também é positivo. Para muito jovens a alternativa empresarial passou a existir num país em que não havia cultura de iniciativa privada. Claro que muitas ilusões de que a crise pode ser combatida pelo regresso ao agro, ou por vender coisas na Internet ou fazer compotas com a receita da avó, actividades em que hoje há algum dinheiro fácil na demagogia dos “impulsos jovens”, durarão até o dinheiro acabar e não resolverão nenhum problema da economia portuguesa. Mas, mesmo no falhanço, aprende-se e alguma cultura empresarial vai ficar. É bom. Há algum esforço de adaptação das nossas empresas à necessidade de exportar, o que também é bom. Mas é muito menos sólido do que a propaganda nos diz e acima de tudo não justifica o embandeirar em arco com o equilíbrio do deficit externo que é um resultado perverso da recessão económica e da quebra do consumo. Mas admito que alguma coisa vá ficar de positivo, se o resto não o estragar. E o resto é imenso. 

O ADQUIRIDO, MUITO E PÉSSIMO 

Depois há muita outra coisa que vai durar para além do “ajustamento” e que vai estragar a vida das pessoas e do país. A maior pobreza, que não é efeito colateral da crise como os arautos do governo dizem, mas uma intenção estrutural de colocar Portugal no seu sítio, de país que não devia ter saído da década de 70 do século passado, “vivendo acima das suas posses”. A pobreza estrutural está inscrita no confisco da classe média, que deixa de servir para a mobilidade social para cima, mas passa para baixo. A pobreza estrutural que significa o cerco dos mais pobres dos pobres pelo círculo infernal da assistência e do congelamento da sua situação de pobres. A pobreza estrutural resultado da desvalorização do trabalho, com o altíssimo desemprego, levando à quebra de salários, assim como medidas cujo único objectivo é alterar profundamente o equilíbrio de poder entre o patronato e os trabalhadores. A pobreza estrutural resultado do ataque sistemático aos milhões de portugueses que não tem vinte anos de idade, que já estão “velhos” para o mercado de trabalho e que são um “peso” para o estado. Os resultados destes péssimos adquiridos para o futuro implicam que qualquer relação entre a recuperação económica e a recuperação social será muito lenta e escassa, criando uma sociedade dual de ricos e pobres. Será a ainda mais baixa da qualificação da mão-de-obra, será o peso insustentável do empobrecimento para as prestações sociais. Isto, no plano social, porque no plano político a crise só tem dois efeitos: solidificar a partidocracia e criar um enorme espaço virtual para o populismo. No plano nacional, o adquirido do “ajustamento”, da troika ao Tratado Orçamental, é acabar com a independência de Portugal transformado em província de Bruxelas. 

E O NÃO ADQUIRIDO 

O não adquirido é a sustentabilidade da política do “ajustamento”, que soçobrará rapidamente quer com Passos, quer com Seguro. Seguro fará umas coisas à Hollande “bom” e outras à Hollande “mau”, ou seja uma “mixórdia” em bom português. E o néon continuará inerte até um dia. Mas atenção, mesmo os mais raros e nobres dos gases mudam se lhes atirarem com uma arma de destruição massiva química, o fluor. Vão ser os “tempos interessantes” da pseudo-maldição chinesa, quer na Europa, quer em Portugal. Depois queixem-se. Até o néon muda. Até o néon dá luz no meio destas trevas.

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 ACELERAR NUM BECO SEM SAÍDA PENSANDO QUE É UMA AUTOESTRADA


Se a coisa não fosse grave, mais do que isso, muito grave, a vida pública portuguesa seria tão aborrecida como a química do néon. O néon, com uma excepção, permanece solitariamente sem reagir com nada, altaneiro na sua condição de raro e nobre. Hoje, a nossa vida pública parece o néon, nada reage com nada, apesar do absurdo em que vivemos, apesar das malfeitorias quotidianas. E este absurdo vem de que qualquer pessoa que se debruce sobre o que verdadeiramente se passa e não sobre a nuvem de propaganda e retórica, percebe com absoluta clareza que nada está a mudar, enquanto as pessoas e o país pagam um custo enorme em nome de uma mudança inexistente. Pagaram e muito e vão ficar de mãos a abanar. 

Quando esta “gente”, como o Primeiro-ministro gosta de chamar aos seus opositores, for varrida do mapa político, o país continuará com os mesmo problemas estruturais de crescimento, a mesma estagnação ou pior, e nenhum adquirido sustentável. Nem no deficit, nem na dívida, nem em nada. Com o tempo, a complacência política da troika, que se seguiu à hostilidade inicial resultado da queda de um Sócrates muito estimado pela senhora Merkel (convém não esquecer), será esquecida, e 4% de deficit será 4% e não os 2 previstos, e 130% da dívida será 130% e não os previstos. Ou seja, no fim do memorando, na “restauração” do 1640 de Portas, nada do previsto foi alcançado. A instabilidade política crescerá, a instabilidade social, idem, e os impasses actuais mostrarão a sua face soturna. E acelerar num beco sem saída, que é a política do governo, conduz-nos a bater violentamente na parede. Seguro fará o papel da espuma que se deita nas pistas para impedir os incêndios, mas a parede está lá, cada vez mais perto. O resto é magia.

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© José Pacheco Pereira
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